terça-feira, 24 de novembro de 2009

Transição selvageria pacífica / barbárie predatória

Thorstein Veblen
Teoria da Classe Ociosa


Cap. I


As classes altas ocupam as funções meramente honoríficas da sociedade. Elas se excluem terminantemente de funções industriais, pois estas estão reservadas às classes inferiores, as quais, inicialmente, se incluíam escravos e mulheres. Essas ocupações da classe ociosa se subdividem em governamentais, guerreiras, religiosas e esportivas, qualquer atividade a mais iria contra o bom senso ou os costumes da comunidade.
As funções da classe mais baixa podem apresentar uma hierarquia à medida que a ocupação remeta mais ou menos diretamente às funções da classe ociosa, como a fabricação e cuidado de armas e objetos sagrados.
Os diferentes níveis hierárquicos da divisão do trabalho dizem respeito às fazes econômicas em que uma sociedade se encontra. À medida que as diferenciações são concretizadas e o trabalho se especializa, a linha entre funções industriais e não-industriais se define mais acentuadamente.
Em uma cultura mais “avançada” nesse quesito, apresenta-se também um caráter de competição e de inferioridade entre os sexos: o homem geralmente é dispensado das tarefas industriais, por participar mais ativamente de atividades como a guerra, que exige força e disposição à agressão – seu esforço não se equiparia ao trabalho rotineiro e não-digno feminino. As funções dignas são as não-servis, não-cotidianas.
Em culturas mais “primitivas”, pode-se observar uma diminuição ou mesmo ausência de hierarquias no grupo. A eficiência de um membro se dá pelo trabalho mais útil à comunidade, e a emulação é no serviço industrial. Seu sistema econômico não apresenta a propriedade individual como traço dominante. Muitas vezes isto é resultado de um retrocesso de um estágio mais avançado. Essa postura mais pacífica, todavia, torna a comunidade mais propensa a ataques agressivos.
Nesta transição da selvageria (“primitiva”) para a barbárie (“avançada”) deu-se início a instituição da classe ociosa. O que concretizou isto foi a adoção do modo de vida predatório – pois a força e o troféu (presa) passam a ser elemento de proeza – e a subsistência de modo a uma parte do grupo não precisar realizar grande esforço.
Vale ressaltar que o fundamento da discriminação se modifica de acordo com o interesse. Nos estágios primários o interesse era coletivo e, portanto, a proeza individual se concentrava nas tarefas cotidianas, para a sobrevivência da comunidade. Muda o fim e, com ele, o ponto de vista dominante, quando a cultura evolui. O senso comum gradualmente incorpora novos padrões com o tempo e deteriora antigos aos poucos.
Hoje (época do livro), para o senso comum, o esforço é industrial quando seu fim último é a utilização de objetos não-humanos, por meio da exploração do meio não-humano. É o conceito de domínio industrial sobre a natureza, que limita o homem da criação bruta. Outrora a relação de conflito se dava pelo homem e seu alimento, e, nos tempos modernos, por o que é animado e o que é inerte.
Tudo que é ativo e animado, na mentalidade bárbara, se equipara ao humano, com o qual ele lida de forma e de eficiência diferentes do que com o que é inerte: tais fenômenos defrontados, quando bem-sucedidos, são encarados como atividade digna e acima do comum.
Desse modo, o bárbaro se divide em classe da proeza – utilidades para seus próprios fins de energia – e classe da indústria – criação a partir da matéria bruta que lhe é dada e, portanto, menos digna. Essa distinção é reforçada principalmente quando se entra em contato com outros grupos.
Este habitat bárbaro, concentrado na força (caça a grandes animais, etc.), exige um maior contato com as virtudes masculinas, e desse modo se enraíza um processo cumulativo de adaptação seletiva: a função da mulher passa a ser “moldar” a matéria, na qual não há afirmação da força de forma vil, e a do homem, massacrar os concorrentes refratários, o que cabe à sua violência, sua natureza de agente. Daí se reforça o conceito de valia e honra.
Esta essência agente tem por objetivo um fim último, impessoal, que busca através de uma ação eficaz e com o menos esforço fútil ou desperdício. Isto pode ser denominado de “instinto de artesanato”. Entretanto, quando se insere no contexto uma comparação entre indivíduos, o resultado sempre será de luta, de demonstração competitiva de força. Este estímulo à emulação da sociedade predatória faz com que o fim último seja desviado para o sucesso por si próprio, e quem o obtém é prestigiado. Da mesma forma, quem não o obtém e se reduz ao trabalho industrial adquire caráter negativo. O trabalho prestado a outro implica na obtenção de bens que não se é dono, que não se “mereceu”.
A competição é a forma mais aceita de auto-afirmação pelo grupo, e a vitória – o ato honorífico reconhecido – se prova pela posse de troféus. Estes podem ser artigos prestigiosos, de maior custo. Logo, a sociedade atinge um estágio no qual a guerra não só é aceita, mas característica. A luta é inerente à história social humana, já que mesmo nas culturas mais “primitivas” e pacíficas havia uma competição entre sexos, mas é questionável o hábito de julgar os fatos sob o padrão da luta.
A diferença espiritual na transição entre a fase pacífica e a predatória coincidiu com o desenvolvimento industrial para além da subsistência, principalmente no uso de instrumentos. Nisso, havia agora uma margem pela qual se podia lutar. Daí desenvolve-se uma série de facilitações para a implantação do hábito predatório, como regras e normas que favorecem este modo.

Um comentário:

  1. Eu so queria saber o que mantem a transiçao da selvageria para a barbarie

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