segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

conjugado em ipanema

minha avó prende-se aos pretéritos.
minha mãe aos futuros.
e eu, ao futuro do pretérito.

borboletas

borboletas invadem-me
ao centro, uma rede de possibilidades
à esquerda, o frescor das gotas
à direita, uma pilha de conhecimento em potencial

o que mais?

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

dedos entrelaçados em solidão

dedos entrelaçados em solidão
ilustram a rede de espetáculos na qual estamos encarcerados
retorncendo para que lá encontremos algo vivo
que nos salve do desespero
resgate para um mundo incandescente
mais do que reluzir,
mais do que refletir.

cá estamos então duas folhas de papel em branco
uma frente à outra, rezando por qualquer centelha
que possa emergir num fogaréu
e nos mova, nos cative e nos consuma
para que pelo menos uma vez vivamos...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

wanderlust

folheando páginas amareladas
engreno em uma trilha vespertina
por dentre folhas de gelo e cerejas de cristal
dimensão de tempo descontínuo
fragmentado
cujas luzes refratam em prisma
num arco-íris estrelado que rouba meu ar
para que ele respire por mais tempo
e brilhe tal como os lençóis das suas cores.

contemplo esse espetáculo
desejando transmitir para meus amores:
rabisco rascunhos desse mundo
na contracapa de um García Márquez
e o deixo em uma praça qualquer
à deriva
para que alguém o decifre...
e com um beijo de boa sorte
faz-se amuleto.

dedico-lhe ao amor,
e tatuo minha devoção com negra tinta
ao fazer germinar de mim as tais palavras:
àquele que achar paixões e vivê-las,
que descubra a autopoiese de transformar e ser transformado,
de derreter em si e no outro,
de libertar os sentimentos ao princípio da incerteza,
o mágico movimento do universo em uma pequena esfera
que vaga cravando seu nome
wanderlust.

extrato: Goethe, sobre Homero

"E quando, então, gemendo de dor, ele ergue o olhar para a doce estrela vespertina que se oculta no mar proceloso, o passado revive em sua alma heróica, passado em que o astro, com seus raios propícios, ainda iluminava os bravos em meio dos perigos, e a lua derramava a sua luz sobre o navio que regressava vitorioso e enguilhandado. Leio-lhe na fronte a mágoa profunda..."

Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Johann Wolfgang von Goethe

domingo, 12 de dezembro de 2010

carta encardida

rabisco duas letras e suprimo
recolhendo-me a meu estado melancólico
para não contagiá-lo ou apodrecê-lo
e liberar a corrente tal como ela é
enquanto o assisto distante quebrar e crescer.

nado rumo a nada
estado aquoso e amorfo,
buraco negro do meu peito gira em torno do seu próprio eixo.
ato-lhe se transparecer qualquer desejo
qualquer imensidão que lhe chame ao destinatário
a fim de traduzi-lo seus mais íntimos pensamentos
como sempre o foi, como sempre.
agora deve deixá-lo, ao caos
e acolhê-lo com o seu silêncio
frente às barbaridades espartanas que sangram meu ouvido.

se perder ou esquecer o endereço
daquela carta encardida pelas lágrimas
tinta apagada pelas brocas
vasculhe no fundo falso
os mil bilhetes perfumados com nada escrito
escondidos pelo tempo, por amor
distante.

broca

minha existência é marcada por pingos salgados.
a lacuna se desenrola em um continuum
frente ao fantasma do seu corpo nu
cada centímetro todo o amor do mundo.

nada é o meu entorno,
é o lado direito solitário da cama
é o que corrói poro por poro
abocanhando um tiquinho a cada dia
broca da minha condição humana,
do meu desespero e do meu absurdo.

cílios molhados umidecem minha carência,
sonhos estuprados soltam farelo
sujam meus lençóis e não consigo mais dormir
aterrorizada ao lembrar da manhã
e dos abraços que não receberei
dos cabelos em que não me afagarei
dos planos que não cumprirei...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

wanna whole lotta love

dançam em mim delírios suados
de curvas quentes que enroscam-se e dilaceram-se
meio a uma sinfonia led zeppelin
em que unhas e dentes destroçam a cada riff
e a visão embaralha dentro d'um caldeirão.

ata-me! me come sem piedade
arranca-me as madeixas que arranco as tuas
aos gritos cala-me e engole-me com teu beijo
enquanto cravo labirintos vermelhos em tuas costas
e perco-me na luxúria desse sonho
na violência voraz da tua pele.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

buñuelísticamente

suas vozes me chamam,
como chama o pintainho por sua mãe
carente no ninho
por um afago, por um carinho
uma asa que o cubra.

é assim que amoleço ao ouvi-los
um pedaço de pão embebido em achocolatado
um doce-com-salgado
que ninguém quer e ninguém gosta
apenas por pseudo-gourmets apreciado
degustado como peça única na prateleira
apenas para ser olhada, sem eira nem beira.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

ode às minhas lagostas

amo dois sítios,
um distante e próximo
e outro próximo e distante.

desfaço-me para me ater a algum,
mas deparo-me com a indisposição de fundir-se em um
como se o meu amor fosse demasiado urrante
ou não amarrado o bastante.

nas rimas me acolho
à procura de um canto escuro
onde possa espiar no mágico olho
os olhos de cada sítio, vida por vida
e muro por muro.

mesmo que não me amem
queria poder desejá-las o meu melhor
e que um dia talvez tracemos esse ardor de amor
tão lindo, meu bem
tão puro...

o mesmo gosto sem gosto

mordo a maçã,
o pêssego, o abacaxi
e me afogo no nada
numa baía de marolas
quando necessito levar o caixote
encaixotar-me e desesperar-me
sem muito motivo
me motivo?

distante

pego emprestado os versos de outrém
para fugir do que tenho a dizer
tanto pelo medo
tanto pelo dedo
quanto pelo dado
pré-fabricado
que o outro atirará em ombros meus
contra os meus
só para cumprir seu papel de afago.

sem saber, entreguei-lhes o meu todo
de um modo ou de outro
poderíamos fazer nascer uma linda história
tecida entre versos e acordes
filosofias e ficções
tão seus e tão meus
unívocos em um abraço,
a fantasia desenhada em papel almaço.

sou um ser de mil amores
mas só queria perguntar
"dos versos meus, tão seus que esperem
que os aceite em paz
eu digo que eu sou
o antigo do que vai, adiante
sem mais, eu fico onde estou,
prefiro continuar distante..."